EVA WILMA
Por: Artur da Távola
Um dos exemplos de forte permanência no estrelato de TV, a despeito de todas as alternativas e mudanças num meio tão voraz é o de Eva Wilma, ainda esta semana em grande evidência nos divertidos capítulos do frustrado casamento de Jordão em “Transas e Caretas”, nos quais a atriz deu lições de versatilidade em comédia.
Eva Wilma consegue o milagre de provir da fase menos prestigiada da televisão, atravessar todo o período em que a mídia era relegada a uma posição de sub-arte e nele permanecer luzindo até hoje, com destaque e respeito artístico. Enfrentou, ainda, como principal fator de audiência o período mais difícil da Rede Tupi da qual era a principal estrela, carregando o público de resistência com o qual a emissora conseguiu as transfusões para viver seus últimos e sofridos sete anos.
Há, portanto, no carisma de Eva Wilma, elementos de fundas relações com o sentir popular, aos quais se somam os dotes artísticos, a tarimba e a total legitimidade para representar a média feminina na audiência.
A atriz domina o comportamento diante das câmeras, sabendo posicionar-se e estimular o desempenho facial no qual ressalta um mecanismo especial de trabalhar olhos e bocas. Os olhos, principalmente, são decisivos na concentração de atenção sobre o que pretende o ator em televisão. Eva Wilma possui um trabalho constante da expressão ocular coadjuvando todos os seus movimentos e dizeres e acrescentando os elementos de namoro coqueteria e comentário com o público que a caracterizam como atriz de interpretação.
A atriz intérprete medeia sua criação com inúmeras mensagens pessoais, solos, virtuosismos, comentários extra-texto através dos quais exerce o seu fascínio ou emite as suas mensagens. Eva Wilma em telecena parece estar sempre proclamando a sagacidade, inteligência e penetração do eterno feminino, numa sociedade dominada por homens. Exibe nos comentários silenciosos com os quais envolve suas personagens o arsenal de artimanhas através do qual a mulher encontra meios não frontais de contornar o efeito esmagador do machismo, acentuando as virtudes da sutileza, percuciência e capacidade da mulher de operar no amor de maneira diferenciada.
Não passa, portanto, Eva Wilma, conceitos ou formas agressivas de protesto. Ela dilui, envolve, desmoraliza até, porém não se opõe de frente ou apõe idéia contra idéia. Essa arte e manha do estratagema agrada à maioria feminina que também não conta com a possibilidade de armas e atitudes radicais. Precisa aceitar as imposições do sistema machista para de dentro dele operar a demolição, ou quando no caso de amor, fraternidade e entendimento, exercitar a compreensão profunda e a enorme capacidade de admiração e por dedicação ao ser amado.
O eterno feminino é, pois, também em Eva Wilma o traço dominante do carisma. Aqui o nome Eva, como símbolo da primeira mulher parece ainda reforçar-lhe os signos. Ela aparece como uma representante competente e estimada das lutas da mulher anônima, no dia a dia pouco glorioso e nada teórico da enorme área conflitiva entre homem e mulher na condição de princípios (masculino e feminino) ao mesmo tempo opostos e complementares.
Os anos de atuação num meio que depende diretamente de comunicação com o público deram a Eva Wilma uma noção muito clara do brilho telegênico. A atriz sabe que a tela é pequena, sem profundidade e o olho do telespectador, volúvel, com forte tendência a logo se cansar. Desenvolve, então, um itinerário de expressões, respirações, alterações de humor e inflexões engenhosas que colorem e fazem brilhar a sua aparição. Consegue aquele tropismo segundo o qual o olhar do telespectador não tem como deixar de segui-la, mantendo-se atado às manifestações de seu brilho cênico. Este é naturalista como a televisão de mercado e nada possui de pomposo ou solene e sim de lúdico, brincalhão. A atriz consegue o estabelecimento do pacto fundamental de ficção através do qual toda a fantasia pode ser verdadeiro.
A capacidade de estabelecer solidariedade profunda e brilhante com o telespectador, é – e teria que ser – o corolário de anos de vivência em televisão, meio no qual a ativação da relação com telespectador precisa se dar em função da importância deste na decisão da audiência apesar de não haver a aquecedora presença física do público.
O ator típico de televisão desenvolve os mecanismos empáticos através dos quais como que adivinha a emoção do telespectador, dele recebendo à distância as cargas aquecedoras indispensáveis ao desencadear da emoção e do “pathos” do ator. Eva Wilma parece haver desenvolvido – em todos esses anos
- uma forma pessoal e sábia de circulação emotiva, feita à distância e com adivinhações, responsável por colocar o ator não perto mas dentro do público pelo recurso do close up e primeiros planos sobre rostos emocionados. É a telepatia, um longe que se faz íntimo e internaliza sentimentos, percepções, afinidades, material estético e dramático do seu repertório de “subjetiverdades”.
Eva Wilma obtém, com todo esse desenvolvimento, simpatia e brilho a ampla e profunda representação do eterno feminino. É, por isso, um exemplo cabal de atriz típica da televisão que assimilou em seu modo de atuar as peculiaridades empáticas do meio e rompe a barreira de preconceitos que envolve o veículo, o que justifica uma carreira brilhante, aceita por todo Brasil em relação à qual nenhuma forma de crítica ou análise lhe pode negar talento, quantidade de obra e as condições carismáticas para o exercício do estrelato despido de qualquer estrelismo.
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