segunda-feira, 18 de novembro de 2013

PROJETO GLEE MS APRESENTA: ELVIS


sábado, 9 de novembro de 2013

O CORPO É UM INSTRUMENTO DE TRABALHO DO ATOR?


Há certos pressupostos que impedem o ator de criar novos dispositivos e reconfigurar seu modo de trabalhar no teatro. A perspectiva filosófica, enquanto funcionamento do pensamento e procedimento estratégico, pode ajudar a romper paradigmas que parecem inquestionáveis por tocarem no que existe de mais sagrado para o ator: seu Eu humano.

O título propõe uma questão a ser discutida, e que vem sendo discutida nos dias de hoje, tornando a relação entre o ator e seu corpo mais complexa. O século XX (no ocidente) foi o século em que se instaurou a necessidade de uma sistematização do treinamento para o ator, o qual não poderia mais ficar entregue a uma suposta inspiração mística. Neste contexto, grandes mestres do teatro começaram a perceber que se deveria focar no principal instrumento de trabalho do ator: o corpo. Isto foi uma expressiva quebra de paradigma na qual se baseou grande parte dos métodos para o ator do século XX. Porém, uma nova quebra de paradigma se impõe nos dias de hoje, mas esta não chega a constituir ainda uma nova corrente. Trata-se de uma difícil questão que a princípio pode parecer um mero jogo de palavras.


Ao ser chamado para dar uma palestra na UNIRIO sobre o treinamento do ator, Renato Ferracini começou por perguntar ao público presente se fazia sentido dizer que o corpo é o principal instrumento de trabalho do ator. O público, formado em sua maioria por estudantes de teatro, respondeu prontamente que sim. E eis que, para surpresa geral, Renato diz pensar que não, o corpo não é um instrumento de trabalho do ator, pois o corpo é o ator. Renato não é o autor deste pensamento, na verdade trata-se de uma questão que na filosofia vem sendo discutida a mais de um século, e que pode se instaurar como uma nova crise e uma quebra de paradigma no treinamento do ator.

É uma questão impactante, sem dúvida, e é muito tentador concordar com ela por parecer um pensamento de vanguarda. Mas com o passar do tempo, e depois de muito discuti-la com outros atores, comecei a desconfiar que ela poderia não surtir nenhum efeito e não gerar nenhum acontecimento revolucionário dentro do teatro. Na maioria das vezes reverberava como um jogo de palavras poético e inspirador, mas que não reconfiguraria ou geraria novos dispositivos no ator em seu treinamento.

Num outro contexto, preocupado muito mais em salvar a vida e a existência para si de seu corpo do que em formular hipóteses esclarecedoras para o teatro ou para a filosofia, Antonin Artaud escreve numa carta para um amigo uma frase muito impactante, mas que também pode, à primeira vista, parecer não passar de um mero jogo de palavras, e com isso não ser capaz de gerar novos dispositivos em qualquer atividade humana:
“Eu sou meu corpo, mas meu corpo não sou eu” (ARTAUD, 2006).

Como ultrapassar a primeira impressão de encantamento poético que esta frase, assim como muitas outras de Artaud, provoca no espírito artístico? Por outro lado, como escapar do entendimento de que a segunda parte, no final das contas, quer dizer exatamente a mesma coisa que a primeira? A razão para este entendimento acabou se revelando em mim como a mesma que fazia com que a questão colocada por Renato Ferracini acabasse por não gerar mais do que um impacto vazio: a incapacidade de desvincular o corpo de qualquer identidade configurada como um Eu fixo, um Eu que vive através, em ou com este corpo. Comecei a perceber que as grandes revoluções teatrais do século XX, no que tange a uma nova relação entre o ator e seu corpo – e é preciso procurar com muita dedicação para encontrar uma exceção – buscavam aproximar esse Eu abstrato, essa entidade espiritual, da concretude do corpo, rompendo com a separação entre corpo e espírito, entre Eu e meu instrumento de trabalho.

Qual seria então a mudança que esta questão – o corpo não é um instrumento de trabalho do ator, o corpo é o ator – instauraria na relação entre o ator e seu corpo? Faz todo sentido pensar que o ator, como sujeito, não veria seu corpo mais como um objeto distante de si mesmo, mas como parte de si, podendo enfim afirmar: meu corpo sou eu. Mas isto parece ser exatamente o contrário do que Artaud afirmava para si: Eu sou meu corpo, mas meu corpo não sou eu. A meu ver, com esta lógica Artaud não aproxima o corpo de si mesmo. O que parece fazer é mostrar que a identidade-Eu é uma parte das produções do corpo, uma criação sua, mas que o corpo não se confunde com ela, e que misturar indissociavelmente corpo e Eu é reduzir o corpo a uma parcela ínfima de seus fenômenos produzidos. Artaud, assim, encontra-se em grande confluência com o pensamento de Nietzsche:
“’Eu’ – dizes; e ufanas-te desta palavra. Mas ainda maior – no que não queres acreditar – é o teu corpo e a sua grande razão: esta não diz eu, mas faz o eu” (NIETZSCHE: 51). É como se houvesse um estágio espiritual em que o homem valoriza a alma em detrimento do corpo; um estágio humanista em que o homem, ainda compreendido como alma, pretende se reaproximar do corpo, devolvendo o valor que este merece; e um estágio outro, em que o homem, cansado desta tal fábula da alma, quer se redescobrir enquanto um corpo livre, um corpo ateu, um corpo criador, um corpo.

Mas como este entendimento (que parece antes de tudo filosófico) pode gerar novos dispositivos para o ator no teatro? Antes de tudo, penso que ninguém melhor do que o ator para se perceber como um corpo sem que este serepresente um Eu que percebe o corpo. Ou mesmo que este se necessariamente represente um Eu, e que a percepção só seja considerada possível pela constituição deste Eu, o ator pode experimentar sensações que escapam à percepção de seu Eu, e que se produzem independente dela.

Mas me parece que a história da construção dos métodos para ator, desde a passagem do século XIX para o século XX até os dias de hoje, circunscreveu o ator num conjunto de pressupostos onde a questão supracitada não encontra as condições necessárias para germinar e contaminar seu trabalho. Ela evapora assim que toca a superfície deste solo infértil. Para fazer o teste de fertilidade, irei à base desta história, tentarei compreender como o sistema de Stanislavski influencia a relação do ator com seu corpo, e como aí parece já se consolidar a raiz da incompatibilidade entre os métodos teatrais de formação do ator e esta questão que se coloca como uma nova tentação que não encontra pontos de contato para se disseminar. É claro que seria preciso analisar todos os métodos existentes para se poder afirmar tal incompatibilidade, mas acredito – e isso não poderá ser desenvolvido aqui – que o problema se encontra na própria estrutura de método que transforma toda experimentação em experiência a ser passada a diante, que funciona como um veículo que abarque o ser humano de maneira geral, fazendo com que as singularidades se diluam ou se adaptem à universalidade de um modelo.

Assim, se o ator pode ser uma potência a experimentar questões filosóficas num espaço mais completo do que a folha em branco, penso também que a perspectiva filosófica – não enquanto visão de mundo, mas enquanto funcionamento do pensamento – pode desemaranhar o ator de uma certa teia de pressupostos para a qual ele não possui olhos para ver como aquilo foi parar ali ou mesmo para detectar sua presença que conduz todo percurso.


Por que o ator precisa ter fé?

É muito comum desvalorizarmos Stanislavski por ele dar mais importância aos processos psicológicos do ator do que ao seu corpo em ação. De fato, numa primeira fase (1898-1918), quando trabalhava no Teatro de Arte de Moscou, ele propunha que o ator se empenhasse em trabalhar o que ele chamava de Forças Motivas Interiores (BONFITTO, 2007). Sem tal estímulo, segundo Stanislavski, o ator não poderia começar a trabalhar em cena, pois seus sentimentos não estariam motivados, e ele acabaria atuando por atuar, sem objetivos claros e precisos, e sem estar verdadeiramente envolvido com a vida do personagem (STANISLAVSKI, 1999). Mas o próprio Stanislavski chegou a um impasse. Percebeu que, por um lado, não se pode fixar os sentimentos, que era preciso ter uma base mais sólida na qual basear o trabalho do ator, que não seria possível reviver a cada apresentação aqueles sentimentos simplesmente a partir da Linha das Forças Motivas com seus elementos estimulantes mentalmente. Por outro lado, se o ator só pode agir quando seus sentimentos estiverem motivados, não haverá espetáculo se isso não acontecer?

É então que o Método das Ações Físicas surge como uma saída para este impasse (BONFITTO, 2007). É se focando na realização de suas ações que poderá se desencadear processos interiores no ator. A Ação Física age portanto como catalisadora das Forças Motivas Interiores. E, por outro lado, ao agir, o ator sentirá a necessidade de justificar para si esta ação, não poderá simplesmente agir por agir, é preciso haver um sentido que preencha e justifique esta ação. E são exatamente os elementos da Linha das Forças Motivas que irão preencher e justificar estas ações. Há portanto uma via de mão dupla entre o corpo e os processos interiores do ator, que na verdade aproxima o corpo de processos interiores a um Eu. Não há mais que separá-los.

Pois bem, não há como discordar que Stanislavski pensa o corpo do ator como fundamental a seu trabalho, que não adianta se focar apenas em processos psicológicos pois o teatro é ação. É possível perceber também a atualidade e pertinência deste problema de, como ator, ter que justificar minhas ações, que é muito difícil “sentir tesão” em realizar ações que não me preenchem ou não fazem qualquer sentido para mim. Posso até me sentir estimulado a agir segundo a proposta de um encenador genial, mas depois de um tempo sentirei a necessidade de justificar estas ações para mim e por mim mesmo. Mas é preciso estar atento às palavras. Faz sentido e é pertinente a questão da necessidade de justificar as ações para si, mas esta é a forma que eu colocaria para mim este problema pertinente? Por uma lógica que aceitamos com uma certa facilidade, esta necessidade de justificar minhas ações em cena passa a ser colocada como uma necessidade de acreditar na verdade daquilo que realizo: a famosa fé cênica (STANISLAVSKI, 1999). Não se trata de uma verdade abstrata que acabaria por me afastar da ação concreta que realizo. Também não se trata da verdade daquilo que existe realmente, como na vida real. Em cena, a verdade
“consiste em algo que não tem existência de fato, mas poderia acontecer.” (STANISLAVSKI, 1999: 168). Aristóteles, em sua Poética, propunha o mesmo raciocínio para o que acontecia no enredo das Tragédias Gregas.

E como o ator poderá acreditar naquilo que não aconteceu com ele, e nem está acontecendo, de fato, neste momento? Um dos principais elementos do método constitui-se de duas letrinhas mágicas: se – como eu agiria se isto acontecesse comigo na vida real. Ao me colocar na situação do personagem, aproximo-me de sua lógica, e posso então criar associações com experiências já vividas por mim outrora. Transito assim entre uma realidade ficcional e uma realidade passada (mas ainda viva em minha memória). O acontecimento cênico presente é, portanto, justificado por um jogo de realidades ausentes. As ações de meu corpo são preenchidas por experiências de outrem, seja pelas circunstâncias dadas do personagem, seja pelas experiências vividas por um Eu de outrora. Acontecerá com o corpo exatamente aquilo que se processar nestas instâncias que agem sobre ele como uma entidade ausente que produz toda e qualquer presença. O que chamamos de presença do ator, neste caso, é fruto do trabalho de elementos ausentes. Neste caso, portanto, realmente é preciso ter fé, fé na Presença da Ausência. Para quem tem facilidade de acreditar em Deus e sua força onipresente, este trabalho não será muito difícil, mas como proceder se ainda tenho esperança num fazer teatral laico?

Devo me esforçar para não raciocinar com precipitação. Não digo que Stanislavski coloca o texto, ou melhor, o papel a ser interpretado e incorporado pelo ator, como uma onipresença que irá gerar a presença do ator. Parece se tratar mesmo do contrário. Ele sabe que o personagem é um pedaço de papel inerte e sem vida, e que é o ator quem irá instilar sua vida humana ali gerando a presença do personagem. É o ator o responsável pela presentificação do personagem, e não o contrário. Este irá apenas direcionar a vida do ator para uma composição particular, pois o ator não irá representar ele mesmo.

O que quero dizer, na verdade, é que isto que se chama “vida humana do ator” é que age como uma ausência presente sobre o corpo. Em consonância com Artaud, Nietzsche e Ferracini, afirmo que o Eu ou esta vida humana foi acrescentada ao corpo e considerada como sua verdadeira natureza. Assim como se considera o personagem um papel inerte sobre o qual o Eu do ator instila vida, considera-se o corpo do homem também como algo morto e inerte no qual Deus instilou vida humana. Ao passar a valorizar o papel do corpo no teatro, não se deixou de ter a alma como o valor supremo. O corpo é aparência, a alma é o ser que o preenche. Meu Deus! Trata-se de Platão ou Stanislavski? Há diferenças, claro. Para Stanislavski, a aparência (o corpo) é um instrumento necessário. A Verdade e o Ser não estão mais num mundo das Idéias, mas numa Natureza orgânica. Este é o novo Modelo. E para alcançá-lo,
Stanislavski (p. 199) nos deixa um conselho: “Evitem a falsidade, evitem tudo o que for contrário à natureza, à lógica e ao bom senso.”

O problema do falso, para Stanislavski, é não podermos acreditar nele. E o valor da verdade não está nela mesma. Stanislavski rejeita a verdade pela verdade, como um fim. Para ele a verdade é um meio necessário ou um critério (Senso de Verdade) para que possamos acreditar no que vemos ou vivemos em cena, e assim nos envolvermos com sinceridade. Isto serve tanto para o ator, naquilo que ele faz ou vive em cena, quanto para o espectador naquilo que ele vê em cena. O importante é que o ator possa justificar sua ação para si mesmo. O que se busca é a tal sinceridade. É por isso que o sistema de Stanislavski continua se revelando de uma pertinência inquestionável, pois ele lida com problemas muito concretos do trabalho do ator, e que continuam se mostrando sem solução. Mas é preciso estar atento ao invólucro religioso, não-laico, e mesmo um tanto quanto catequizador que se encontra emaranhado como parte constituinte do problema.

De onde surgiu esta necessidade de acreditar nas coisas? Será o fato de se trabalhar com coisas que não são produzidas em ato, de não oferecer ao espectador acontecimentos, mas fantasmas, emoções geradas no “Reino da Imaginação”? Esta necessidade não surge de uma lacuna que existe entre o Modelo e a Cópia? A interpretaçãostanislavskiana me parece ser uma tentativa de se aproximar o máximo possível do Modelo: a Natureza. Por isso é preciso fé, fé na legitimidade da cópia enquanto pretendente a ser escolhido e aprovado pelo Modelo e seus critérios (com o detalhe de que estes são interiorizados enquanto Senso de Verdade, esta é a dica do próprio Stanislavski) (STANISLAVSKI, 1999).


Outras propostas fora do pensamento religioso do teatro

Se não há Modelo, não é preciso fé, pois não haverá Juízo de Deus. A potência do Simulacro ou do falso não precisa de fé, mas de poder de engendramento ou de produção. É o Juízo que obriga o ator a ser convincente. E eis que o ator afunda cada vez mais num círculo vicioso (ou virtuoso, já que é o Juízo que nos inclina para a virtude): é preciso fé para embarcar neste mundo psicológico, e para desenvolver esta “fé orgânica” é preciso criar raízes cada vez mais profundas no interior deste mundo psicológico. Por isso tudo deve ser pessoal, pois é o único vínculo que ainda resta, já que não se pode mais desencadear devires ou produzir acontecimentos puros. Não trabalhando mais com as produções do corpo, é preciso então não se perder das raízes da delicada alma. O que acontece é que as ações físicas perdem sua autonomia, tornando-se dependentes da alma e sua fé. Se Eu não acredito nas produções do corpo, restam duas soluções:
  • Tornar estas produções convincentes para o Eu.
  • Eliminar o Eu e seu critério de convencimento e exigência de credibilidade. Assim não haverá ninguém para convencer, devolvendo a autonomia às produções do corpo.

A segunda me parece ser mais interessante, mas por algum motivo Stanislavski insiste na primeira. Por que será? Minha hipótese se baseia na proposição de que ele ainda é assombrado por pressupostos metafísicos, pois, apesar deles, ele detecta fenômenos e propõe procedimentos que poderiam ser eficientes para alcançar a solução que me interessa.

Se dissermos a um ator que seu papel está cheio de ação psicológica, profundidades trágicas, começará logo a se contorcer e exagerar sua paixão, fazê-la em pedaços, escavar a alma e violentar seus próprios sentimentos. Mas se lhe dermos algum simples problema físico para resolver e envolvermos esse problema em condições interessantes, comovedoras, ele tratará de executá-lo, sem se alarmar ou sequer preocupar-se muito em saber se o que faz resultará em psicologia, tragédia ou drama (STANISLAVSKI, 1999: 188).

Mas por que este “simples problema físico para resolver” deve funcionar como um instrumento, um catalisador, uma isca para aquilo que é considerado o santo graal do ator: a sinceridade de sua alma, sua verdadeira natureza, e esta nunca é o corpo, mas é sempre através dele que se poderá encontrá-la? Stanislavski percebe que não se pode abordar diretamente os sentimentos pois isso seria violentá-los, e então ele elabora uma técnica psicofísica. Percebe ainda que sem as ações físicas não é possível fixar os sentimentos. Mas como afirmar que as ações físicas possuem autonomia em seu sistema, se elas servem como uma finalidade de expressar sentimentos, e precisam sempre estar envolvidas “em condições interessantes, comovedoras”? O corpo e a técnica parecem surgir como um mal necessário que deve interferir o mínimo possível na verdadeira criadora: a Natureza, que age sempre como um modelo a ser perseguido, e que serve assim como parâmetro para aquilo que é ou não verdadeiro, é ou não uma expressão sincera dos sentimentos.

Para que o corpo assuma uma autonomia a partir da qual não seria mais preciso ter fé ou acreditar em suas produções, é preciso desvincular-se, por um lado, do modelo da natureza que serve como parâmetro para a verdade, e de outro, do Eu que necessita de uma justificação para aquilo que não surge dele, que surge do corpo do qual ele faz parte. O problema é que meu Eu precisa criar associações de causa e efeito para que esta ação pareça proveniente de uma intenção sua. E é isso que parece ser eficiente em preencher e justificar a ação: a intenção de um Eu, verdadeiro e sincero em sua expressão. É o Eu quem usará seu senso de Verdade para legitimar e verificar se a ação está ou não conectada ao Modelo da Natureza.

E que outro modo existiria para lidarmos com nossas ações físicas em cena? O importante é pensar que devem existir múltiplas, mas quero investigar aqui um modo que me interessa e que poderíamos chamar da construção de um corpo sem órgãos. Deleuze e Guattari citam e refletem sobre um procedimento do artista plástico Vladimir Slepian:


[...] Slepian tem a idéia de utilizar sapatos, o artifício dos sapatos. Se minhas mãos estão calçadas, seus elementos entrarão numa nova relação donde decorrem o afecto ou o devir procurados. Mas como eu poderia amarrar o sapato em minha segunda mão, já estando a primeira tomada? Com minha boca que, por sua vez, encontra-se investida no agenciamento e que torna-se cara de cachorro à medida que a cara de cachorro serve agora para amarrar o sapato. A cada etapa do problema, é preciso não comparar órgãos, mas colocar elementos ou materiais numa relação que arranca o órgão à sua especificidade para fazê-lo devir “com” o outro (DELEUZE e GUATTARI, 1997: 44).

Ao executar este simples problema físico (amarrar os sapatos nas mãos) não se desencadeia em Vladimir Slepianassociações com experiências de outrora ou sentimentos pessoais e sinceros. Muito pelo contrário, desencadeia-se devires para os quais estas associações e sentimentos, exatamente na medida em que são pessoais, agiriam como âncoras que interromperiam o processo. O que se dá é uma reconfiguração do funcionamento de seu corpo, seus órgãos passam a exercer funções para as quais não estariam destinados, e então o devir surge como uma linha de fuga do organismo e de sua subjetividade fixa. Neste processo pode-se chegar a experimentar um corpo sem órgãos.

Enquanto Stanislavski propõe ao ator:
“Nunca se perca no palco. Atue sempre em sua própria pessoa, como artista. Nunca se pode fugir de si mesmo... Assim, por mais que atue, por mais papéis que interprete, nunca conceda a si mesmo uma exceção à regra de usar sempre os próprios sentimentos” (STANISLAVSKI, 1999: 216); Deleuze e Guattari propõem: “vamos mais longe, não encontramos ainda nosso corpo sem órgãos, não desfizemos ainda suficientemente nosso eu. Substituir a anamnese pelo esquecimento, a interpretação pela experimentação” (DELEUZE e GUATTARI, 1996: 11). Se quisermos falar em termos de ações físicas no processo de construção de um corpo sem órgãos não podemos considerá-las como catalisadoras de processos interiores a um Eu, mas antes como desfazedoras de qualquer liame entre um corpo e um Eu, com seu organismo hierarquizado por um cérebro. O Eu traz de volta toda experimentação do corpo sem órgãos para a apreensibilidade das experiências pessoais. Talvez deveria dizer que as ações-experimentações do corpo sem órgãos não são “ações físicas” a serem preenchidas e justificadas por forças motivas interiores. Sim, há um processo depreenchimento do corpo sem órgãos, mas este não funciona como justificação para suas experimentações. Estas não são ocas como um continente a ser preenchido por um conteúdo. O preenchimento não é uma finalidade, mas um acontecimento produtor do próprio tipo de corpo sem órgãos.

Talvez não faça sentido dizer que um corpo sem órgãos é um corpo em ação, pois sua ação é sempre a de fabricarum corpo (sempre no artigo indefinido, alertam Deleuze e Guattari) (1996). Portanto, não há um corpo que faz alguma coisa simplesmente, mas um tal que, ao fazer, se faz. Fazer é sempre se fazer. Então se eu disser que o corpo é a matriz geradora da ação física, devo dizer juntamente que a ação (experimentação) é a matriz geradora do corpo.

Temos assim um procedimento, que é a fabricação do CsO, e os elementos da ação, que é tudo aquilo que passapelo corpo sem órgãos preenchendo-o, sendo que os procedimentos já implicam que algo será produzido, sem podermos saber o quê. Não há como desvincular uma coisa da outra. Mas a questão não é de saber se aquilo que percorre o corpo sem órgãos irá justificar ou não suas ações, mas simplesmente de saber se algo passa ou não. Com isso surge ao invés da necessidade de justificar a ação, a necessidade de elaborar estratégias que desfaçam aquilo que impede a circulação. O que circula? Intensidades que não assumem o caráter de sentimentos ou experiências apreensíveis. O que bloqueia a passagem? Entre outras coisas, o Eu e seu esforço em tornar tudo pessoal, íntimo e sincero (ou seja, crível porque verdadeiro).

Então o corpo sem órgãos é um lugar ou um suporte onde acontecem tais intensidades? Não, é ele próprio quem acontece ao ser atravessado por elas. Para a experimentação do corpo sem órgãos não importa que algo aconteça ou se manifeste através dele, só importa a experimentação que irá construí-lo e a construção que permitirá experimentá-lo. Nada de experiências vividas antes da produção-ação. Estas não são nem as matrizes geradoras e nem aquilo que passa pelo corpo sem órgãos. Se insistirmos muito nelas, acabarão por agir como aquilo que bloqueia a circulação e o desencadeamento de devires.

Ao invés de pensar o corpo como uma casa ou um templo, parece-me mais interessante pensá-lo como uma porta ou um corredor. Não que ele possua portas que ao se abrirem, algo passará preenchendo-o. Ele mesmo é a porta pela qual as intensidades passam, e que só sente preenchido quando estas atravessam seu limiar, e não quando elas ficam ali.

Mas se não importa as experiências vividas outrora, a memória deve ser abandonada? Não, mas ela funcionará exatamente pelo recurso do esquecimento, como virtuais que atravessam o corpo sem precisarem se identificar como esta ou aquela experiência desta ou daquela fase da vida. É como a memória involuntária de Proust (DELEUZE, 1964). Ela não acontece se nos esforçarmos pela anamnese. Nada a ver com conteúdos guardados num sótão e que devem ser acessados, despertados e rememorados. A memória não é necessariamente a repetição do mesmo, pois a própria repetição já é outro modo de acontecer, de viver a coisa, e assim a própria coisa já se torna outra. É quando tento interpretar que acabo por reconhecer e identificar como sendo “aquele” acontecimento que retorna. E isto, ao invés de desencadear devires em meu corpo, irá sempre convencê-lo de que não importa os trajetos e vôos que ele tente alçar, estes nunca deixarão de ser apreendidos e identificados como experiências pessoais de um si sempre o mesmo.

Tentei portanto discutir a necessidade e as possibilidades que se abrem ao desvincular o corpo de um suposto Eu que se expressa através dele. Sobre a questão “O corpo não é um instrumento de trabalho do ator, o corpo é o ator”colocada por Ferracini, tentei mostrar a diferença radical entre encará-la como uma necessidade de se aproximar corpo e espírito, meu corpo de mim mesmo, sujeito e objeto, e encará-la como uma necessidade de afastar de vez o corpo da tutela do Eu, pois o corpo é muito maior do que este ínfimo Eu que foi inventado pelo próprio corpo, por mais que se tente convencê-lo do contrário.

Fonte: http://www.seer.unirio.br/index.php/opercevejoonline/article/view/1366/1138

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A ARTE DE SOLTAR A VOZ: Exercícios Práticos para Atores/Atrizes de Teatro

RESPIRAR É FUNDAMENTAL
Respirar de forma correta é fundamental para o bom uso da voz. A respiração abdominal e intercostal são as melhores amigas dos cantores. Elas dão o apoio muscular que o aparelho respiratório precisa para garantir o melhor som possível e a melhor passagem de ar. Ao inspirar, abrimos as costelas e estufamos um pouco a barriga para fora, e, ao expirar, soltamos o ar e tentamos manter as costelas abertas, mas murchando a barriga para dentro, à medida que o ar sai. Esse é um dos exercícios de respiração mais eficazes. Porém, o ar e sua utilização é a parte mais complexa do canto e é necessário tempo para entender a coluna de ar usada para cantar.

VOZES IDENTIFICADAS
A identificação de uma voz é feita mediante a avaliação perceptiva de três categorias de parâmetros:
• Qualidade vocal - é a percepção que se tem das características qualitativas de uma voz específica
• Emissão vocal - é a percepção que se tem de como um som vocal está sendo produzido
• Expressão vocal - é a percepção que se tem de como a pessoa acrescenta subjetividade ao que é dito

DISFONIAS
As disfonias mais comuns são chamadas de fendas, fendas em ampulheta, irritação nas pregas por conta de refluxo, nódulos e cistos. Apesar dos nomes esquisitos, todas essas disfonias são curáveis, desde que com tratamento adequado (daí a importância de saber qual é o profissional com quem se trabalha pois, caso ele não saiba determinar o tipo de tratamento, pode gerar patologias mais sérias e mais difíceis de serem tratadas). Quem lida com voz tem que aprender sobre o tratamento de disfonias para não cometer erros e acabar destruindo uma voz por imperícia ou falta de conhecimento. Em casos de artistas com disfonia, o tratamento deve ser feito em conjunto com o fonoaudiólogo e com o preparador vocal para que o procedimento seja coeso e tenha sucesso.

Técnicas específicas
Óperas, musicais e peças de teatro. Quando a voz está bem cuidada, bem treinada e bem trabalhada, o dono da voz está no ponto para fazer bonito em qualquer uma destas áreas, certo? Errado. Pelo menos é o que garante Ester Elias, formada em Técnica de Canto Lírico e Popular pela Escola de Música de Brasília e em Fonoaudiologia, pela Universidade Estácio de Sá. Segundo Ester, o trabalho, além de diferenciado para quem atua em óperas, musicais ou peças teatrais, utiliza técnicas específicas, que exigem muito de cada profissional.

"O trabalho do cantor lírico ou da cantora exige mais do trato vocal. Pede mais técnica. A voz é predominante. No musical, tem que haver equilíbrio entre o lado cantor e ator. Ou seja, é preciso que o profissional seja bom cantor e bom ator. No teatro, o uso da voz é somente para a fala e isso requer muito cuidado e uma técnica específica para a voz falada", observa.

Ester recomenda alguns exercícios de respiração para facilitar o uso correto da voz, apesar de serem, ressalta, simples de entender como funcionam, mas complexos na hora de realizá-los. "Basicamente usa-se abdome, diafragma e músculos intercostais para se obter uma respiração básica. Mas é preciso participar de uma aula ou uma terapia vocal para melhor entender e praticar tais exercícios", diz.

São nestas aulas, segundo Ester, que todas as vozes podem ser melhor estudadas e trabalhadas. No mundo das artes há espaço para todas as vozes. "A que não tem como ser trabalhada é aquela que não é naturalmente afinada. Pode estar ligada a alguma resposta auditiva, ou seja, não compreende a nota que ouve e por isso não consegue reproduzir corretamente. Mas isso é especificamente para o canto", revela, acrescentando haver tratamento para solucionar quaisquer problemas vocais.

Para Ester, é possível, inclusive, se chegar à voz perfeita nas artes, o que, garante, não livra o dono da voz de estudo, aperfeiçoamento e orientação profissional. "A voz perfeita é aquela que já nasceu equilibrada em harmônicos e timbres agradáveis de serem ouvidos, mas a orientação de fonoaudiólogos e professores de canto, que tenham bom conhecimento de fisiologia e anatomia da voz, é fundamental", frisa Ester, que considera vozes perfeitas as do cantor Leonardo Neiva e da cantora Julie Andrews.

Quanto aos cuidados para se ter uma voz sempre bonita e saudável, Ester recomenda não fumar e beber, pelo menos, dois litros de água por dia. "A água mantém faringe e cordas vocais hidratadas", avisa. "Não falar fora de sua tecitura ou potência vocal, o que resulta num abuso vocal, também é importante", acrescenta Ester, que recomenda, ainda, comer maçã, "por se tratar de um bom adstringente, que limpa a voz e evita o famoso pigarro". 

Já as famosas disfonias, segundo Ester, precisam ser tratadas antes de terem início aulas de canto. "Praticamente toda disfonia pode ser curada. Dependendo do seu grau, deve ser tratada só na terapia de voz, mas, às vezes, chega a ser necessária cirurgia. As mais comuns são por abuso vocal, alergias e até por questões emocionais", alerta Ester, que coleciona participações em importantes musicais como Os Miseráveis, Ópera do Malandro e A Noviça Rebelde, entre outros.

Ficou afônico, mas ganhou experiência
"Quando, por algum motivo, fico rouco ou afônico, sinto-me completamente aleijado". Pode parecer dramático, mas é assim que o cantor de ópera Murilo Neves, 31 anos, se vê quando seu instrumento de trabalho apresenta alguma avaria. "Fico assim porque é através da voz que eu transmito a minha arte", resume Murilo, que, em nove anos de carreira obteve sucesso e premiações, mas colecionou alguns contratempos, como quando, na véspera de uma apresentação, perdeu a voz.

"Fui a um otorrinolaringologista e ele me prescreveu, caso eu não melhorasse a tempo, injeção de cortisona. Acabei tomando-a e, de fato, minha voz voltou. Cantei a primeira parte do espetáculo com segurança, mas, no meio da noite, a voz acabou completamente. Como tinha que prosseguir no palco, acabei falando tudo, em vez de cantar. Aprendi que a gente tem que saber a hora de cancelar uma apresentação", revela Murilo.

O episódio, porém, mais do que fazê-lo ter o timing para cancelar uma apresentação, rendeu-lhe outros ensinamentos em relação aos cuidados com a voz. "É fundamental para o cantor de ópera o estudo constante e o treinamento diário. O cantor de ópera é como um atleta da voz. Se algum músculo perde o treino, a voz se ressente muito", diz o cantor, que faz aulas de canto diariamente e procura estar sempre agasalhado, além de não beber nada muito gelado ou muito quente.

"Mas sem paranoias, pois tenho que dominar minha voz. Acho péssimo me sentir dominado por ela. Observo que meus colegas mais paranóicos normalmente são os primeiros a ficar doentes. Há que se ter cuidados, mas sem histeria. Quem não tem resistência não pode cantar ópera", avalia Murilo, que estuda canto desde os 17 anos e já teve vários professores no Brasil - inclusive uma russa - e na Itália. "Vejo estudantes e professores se contentando com uma aula por semana, às vezes até menos. Isso não basta, não é suficiente. Ninguém aprende a cantar com uma aula por semana. Não largo a minha professora de jeito nenhum", revela Murilo, cuja estreia profissional aconteceu em 2000, na "Ópera dos Três Vinténs". 

Desde então, o cantor já se apresentou por todo o Brasil e pôde não só mostrar o seu talento, mas detectar as deficiências de sua área no País. "Nós, brasileiros, temos um idioma que não favorece em nada a emissão para o canto lírico. Sentimos muito mais dificuldade em projetar a voz. A musicalidade e a sensibilidade são essenciais, mas observo que o que falta nos estudantes de canto brasileiros é a técnica mesmo. Existe muita confusão nesse quesito. Existe muito diletantismo. Vejo todos os dias professores inventando coisas, querendo descobrir a pólvora, confundindo muito mais a cabeça dos alunos do que esclarecendo", observa Murilo, que deixa um recado para quem deseja seguir a sua carreira: muito estudo.

"Infelizmente, não se pode comparar a segurança e o apuro técnico dos cantores líricos das décadas de 1950 e 1960 com os de hoje em dia. Numa era em que, mesmo no teatro falado, vemos peças encenadas em salas de 200, 300 lugares, por atores usando microfone, parece muito distante da realidade lutar no gogó com uma orquestra sinfônica completa", acrescenta Murilo, que acabou de voltar do Festival Amazonas de Ópera, onde cantou em três óperas e um recital de música de câmara - também faz trabalhos no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e participa regularmente do projeto Ópera no Bolso, da Prefeitura do Rio, onde cantou as óperas "La Cenerentola", "Les Pécheurs de Perles", "Don Pasquale" e "L´Italiana in Londra". Também já se apresentou em São Paulo, em Florianópolis, em Curitiba e em Blumenau.

O talento de Murilo é reconhecido pela professora de canto Amélia Gumes. Segundo ela, o trabalho de quem faz ópera é mais árduo, muscularmente e musicalmente, que todos os outros e exige muito mais tempo de estudo e dedicação. "Hoje em dia já se cobra muito mais a parte ator desses cantores do que antigamente, mas, ainda assim, o grande atrativo são os virtuosismos vocais que se ouve nessas obras. O trabalho em musical é muito direcionado e a música está mais ligada ao que o texto pede. Então todo o trabalho é em cima do ator e se usa a técnica para resolver alguns problemas que só o texto não corrige. 

Atores tradicionais de teatro puro trabalham a voz falada relacionada ao seu personagem e esse trabalho vem desde a pesquisa do personagem. O que diferencia um do outro é o ponto de partida em que a voz se torna importante e define todo o resto. Simplificando, é como se na ópera se definisse a voz primeiro, nos musicais as músicas definem a voz falada do personagem e no teatro o personagem define a sua própria voz", compara Amélia.

A voz de um expert
Um expert da voz. Assim pode ser definido o carioca Felipe Grinann, 35 anos, dublador, mas que já fez de tudo um pouco sobre o tema. Ator profissional desde 1995 - trabalhou na área teatral com Gabriel Vilela, Paulo de Moraes (Armazém Companhia de Teatro) e Cininha de Paula, entre outros diretores consagrados - e ex-backing vocal, durante dois anos, do cantor Milton Nascimento (no espetáculo Tambores de Minas), Felipe possui vasta experiência, também, na área de locução e dublagem. Ou seja, um currículo que o credencia a falar (aliás, gesto que ele faz até quase à exaustão diariamente) sobre a importância do uso da voz.

"Sou apaixonado pelo que o ser humano é capaz de fazer através da voz. Eu li que muitos monges tibetanos desenvolveram uma técnica para o canto, na qual numeroso grupo emite uma única nota, mas o que se ouve são muitas outras notas. É como se eles entrassem em sintonia com o som do Universo. Isso é fascinante!", diz Felipe, que gosta de exercitar as possibilidades da voz ao máximo, sempre disposto a achar um registro diferente, uma nova forma de falar os textos. "Assim como existem médicos que só cuidam do coração, escolhi me dedicar com mais profundidade à arte do ‘ator-vocal'. A minha maior satisfação é quando ouço alguém dizer: ‘Nossa, nem parece você!'", revela.

Tamanha dedicação levou Felipe a trocar, em 2008, o Rio de Janeiro por São Paulo, onde trabalha como dublador e locutor nas principais empresas paulistanas, além de professor de dublagem da Dubrasil, rotina que o obriga a estar sempre atento e cuidadoso com seu instrumento de trabalho. "Tomo muitos cuidados com a minha voz. Como preciso utilizá-la de uma forma sobre-humana, preciso estar com ela sempre descansada e pronta. Por isso evito tomar gelado, pegar chuva, dormir sem camisa... Tento dormir, no mínimo, sete horas por noite, jamais falo alto em boates ou lugares barulhentos, evito gritar, não fumo, bebo muito pouco álcool e muita água", enumera.

Uma mudança de hábito, porém, em prol da voz, o deixou um pouco triste. "Sempre li que a lactose costuma deixar uma espécie de muco nas cordas vocais e comecei a perceber que, coincidentemente, depois de ingerir os lactos, eu ficava pigarreando muito. Então cortei da minha vida o leite, os queijos e o iogurte. No começo, foi bem sacrificante, pois eu era viciado em comer queijo, mas substituí tudo por soja (que eu também gosto bastante) há quase um ano e a diferença tem sido grande. Hoje, sinto minha voz muito menos suscetível a intempéries, como mudança de clima, resfriados, gripes e alergias. Sinto-me, vocalmente, muito mais resistente", diz Felipe, que participa, desde 2001, de várias campanhas importantes em âmbito nacional (Jornal O Globo, Natura, Sprite, Renault, Embratel, Claro, Becel, Canal Futura, Sony Ericson - durante três anos, foi um dos locutores dos canais da Rede Telecine, através dos programas Cineview e Movie Box).

Dono de um vozeirão - apesar do 1,65 metro de altura - Felipe já deu voz, em português, às falas de Jude Law, Matt Dillon, Tom Cruise e Ewan MacGregor em filmes famosos como Moulin Rouge, Hulk, Madagascar, Tubarão e A Dama e o Vagabundo, mas não consegue escapar de uma situação, no mínimo, inusitada na vida real. "Minha voz é média-grave e condizente com a minha idade (35 anos), mas como eu tenho 1, 65 de altura e cara de 25 anos, toda vez que alguém me ouve em um filme ou apenas conversa comigo por telefone imagina que o dono da voz é um homenzarrão de 1,80, no mínimo! Quando finalmente me encontram, às vezes, nem conseguem esconder a carinha de decepção", brinca Felipe, que, como dublador, trabalhou durante 12 anos em todas as empresas do ramo, no Rio de Janeiro, e como professor de dublagem na Casa e Companhia de Artes Avancini, além de diretor de dublagem na Double Sound.

EXERCÍCIOS

Durante a locução a respiração deve ser feita da seguinte forma: 

Encha os pulmões de ar, de preferência pelo nariz, principalmente em ambientes abertos ou frios. Faça-o estendendo o diafragma para baixo, de modo que sua barriga pareça encher-se de ar.

Você notará que a parte superior dos seus pulmões, também se inflará. Mas de forma correta, ou seja: somente no final de sua inspiração. Isto quer dizer, que você conseguiu inflar todo o seu pulmão.

É claro que você não vai fazer nenhum mergulho em profundidade. Entretanto, é necessário que as pessoas que trabalham com a voz, dominem esta técnica. Dosando a quantidade de ar a ser inspirado, de acordo com a frase a ser lida ou cantada.

Toda a produção do som e todas as técnicas da fala estão baseadas na respiração, que influi na dicção , volume da voz e resistência do locutor.

Vamos praticar com um pequeno texto.

Durante sua leitura, você encontrará, frases ou períodos mais longos, que deverão ser lidos de uma só vez, ou seja: num só fôlego. Para isso você terá que controlar melhor sua respiração. A primeira coisa a fazer é estudar o texto, e identificar frases onde será necessário o emprego de maiores ou menores tomadas de ar.

Quando estava aprendendo a respirar durante a locução, aprendi uma técnica que me ajudou consideravelmente. Está técnica se baseia em marcar o texto que será lido com barras simples ou duplas. As barras simples, marcam as menores tomadas de ar. As barras duplas marcam as maiores tomadas de ar.

Como exemplo tomaremos este texto publicitário da Golden Cross.

A VITÓRIA DE UM LÍDER, É UMA CONQUISTA DIÁRIA, //
FEITA DE PEQUENOS GESTOS E ATITUDES. // A GOLDEN CROSS REAFIRMA ESTA VERDADE A CADA DIA // SE EMPENHANDO AO MÁXIMO / PARA QUE VOCÊ POSSA USUFRUIR DE NOSSA LIDERANÇA / COM TODA A TRANQUILIDADE QUE A SUA VIDA MERECE.//
GOLDEN CROSS PRIMEIRO LUGAR EM SAÚDE.

ARTICULANDO

Explorar da melhor maneira possível suas áreas de ressonância, é um dos segredos para manter a beleza da voz. Quando queremos falar em um tom mais grave ou aveludado, utilizamos a região do torax onde ressoam os tons graves e médios. Os timbres mais altos, ressoam na região da face, onde os tons agudos se amplificam, dando uma aparência mais jovial a fala.

Articular bem as vogais, abrir a boca de forma correta, também é algo vital para uma boa impostação da voz. Uma vez que é nas articulações da boca,(lábios, língua, musculatura da face, dentes), que o som adquiri caractesísticas especiais, seja vogal ou consoante.

A - É - Ó - Sons claros e abertos. Para emissão perfeita destas vogais, temos que ovalar a boca. Com esta posição o som recua para o fundo da garganta e vibra no palato mole, entrando para a ressonância alta, e projetando-se timbrado.

Ô - Ê - I - U - Sons escuros e fechados. O movimento labial faz com que eles se projetem para frente. Nos sons agudos o maxilar cai deixando a boca ovalada.

Ê - I - Estas duas vogais merecem atenção pois são horizontais, e para se projetarem usamos o sorriso, que os mantém vibrando no mordente até o centro da voz. Para atingir notas agudas, o sorriso permanece, porém a boca vai se ovalando em busca de um som arredondado e bem timbrado.

ENCONTROS CONSONANTAIS.

Tão importantes quanto as vogais são as consoantes. Se as vogais são responsáveis por uma fala com ótima qualidade de timbre, as consoantes tornam a leitura ou a locução mais inteligíveis. Articular bem as consoantes, é imprescindível para uma boa comunicação. Para exercitar as consoantes, deve-se fazer a leitura em voz alta, exagerando ou hiperarticulando todas as sílabas.Não se preocupe com o ritmo ou velocidade de sua leitura, faça o exercício de forma bem consciente e com calma.

FRASES PARA PRATICAR COM ENCONTROS CONSONANTAIS, DE DIFÍCIL LEITURA, ACONSELHO QUE SE FAÇA A LEITURA DESTAS FRASES, MORDENDO UM LÁPIS.

1. O prestidigitador prestativo e prestatário está prestes a prestar a prestidigitação prodigiosa e prestigiosa.

2. A prataria da padaria está na pradaria prateando prados prateados.

3. Branca branqueia as cabras brabas nas barbas das bruacas e bruxas branquejantes.

4. Trovas e trovões trovejam trocando quadros trocados entre os trovadores esquadrinhados nos quatro cantos.

5. As pedras pretas da pedreira de Pedro pedreiras são os pedregulhos com que Pedro apedrejou três pretas prenhas.

6. O grude da gruta gruda a grua da gringa que grita e , gritando , grimpa a grade da grota grandiosa.

7. No quarto do crato eu cato quatro cravos cravados no crânio da caveira do craveiro.

8. O lavrador é livre na palavra e na lavra , mas não pode ler o livro que o livreiro quer vender.

9. Fraga deflagra um drible , franco franqueia o campo , o povo se inflama e enfrenta o preclaro juri , que declara grave o problema.

10. Quero que o clero preclaro aclare o caso de clara e declare que tecla se engana no que clama e reclama.

11. A flâmula flexível no florete do flibusteiro flutuava fluorescente na floresta de flandres.

12. Na réplica a plebe pleiteia planos de pluralidade plausíveis na plataforma do diploma plenipotenciário.

13. No tablado oblongo os emblemas das blusas das oblatas estavam obliterados pela neblina oblíqua.

14. A hidra, a dríade e o dragão ladrões do dromedário do druida foram apedrejados.

15. O lavrador lavrense estudou as livrilhas e as lavrascas no livro do livreiro de lavras.

16. O pingüim banhou-se na água do aquário.

17 . O gato cruel cravou as garras no cangote do camundongo que comia crosta de cará na cumbuca quebrada. O cão que cochilava acordou com o conflito e correu com o gato.

18. Esse quadro representa a esquadra da Guanabara.

Fontes:
http://www.jornaldeteatro.com.br/materias/reportagem/200-a-arte-de-soltar-a-voz-nos-palcos-da-vida?start=1
http://artedefalar.tripod.com/id2.html

sábado, 12 de outubro de 2013

A atenção em "A Preparação do Ator" de Stanislávski

Constantin Stanislávski é sem dúvida um dos mais influentes pensadores teatrais do século XX. Seu “método” de preparação de atores e criação de personagens representou uma verdadeira revolução no fazer teatral ocidental – revolução que já era apontada como necessária por Diderot (2005) e posteriormente por Craig (2004), ao dizer que o teatro poderia alcançar novos patamares com a sistematização do trabalho do ator.

O esforço de Stanislávski empregado na construção de um teatro que fosse eficiente em sua comunicação com o espectador teve como mais expressivas as encenações das peças de Anton Tchékhov desenvolvidas junto ao Teatro de Arte de Moscou. Esta experiência originou diversas teorias, sendo que algumas compartilham e verticalizam as ideias de Stanislávski, ao passo que outras trabalham na negação da mesma.

Apesar de negar as suas pretensões científicas na introdução de El trabajo Del actor sobre si mismo (2010), Stanislávski não tem como negar a influência que o pensamento científico exercia naquele momento sobre o seu método. Como nos aponta Jorge Saura, em suas notas à edição espanhola, ele conhecia e utilizava diversos termos da biologia e da psicologia para estruturar seu pensamento e de certa forma validá-lo.

Em numerosas ocasiões Stanislávski cita em seus escritos obras de médicos, psicólogos e biólogos, hoje já esquecidos, como forma de validar cientificamente suas descobertas e deduções empíricas. A falta de interesse da ciência para com o teatro, expressada em diversas ocasiões pelo diretor russo, manifestava seu temor que as suas teorias sobre a arte do ator pudessem não ser levadas a sério. Deve-se ter em vista que quando Stanislávski escreve seu livro (por volta de 1935) havia apenas quarenta anos que a profissão do ator tinha deixado de ser considerada, na Rússia, própria de pessoas incultas e de índole duvidosa. (STANISLÁVSKI, 2010, P. 25).

Por outro lado, acredita-se que o surgimento do pensamento científico no teatro, que tem como marco a produção bibliográfica de Stanislávski, provém de uma necessidade característica do fim do século XIX, de revisar todos os conhecimentos humanos a partir do olhar da ciência. Como aponta Crary (2001), este período foi marcado pela relativização da objetividade do conhecimento empírico; a partir deste período o mundo ocidental passa a atribuir certa parcialidade ao olhar humano.

O científico em Stanislávski está pautado, principalmente, no diálogo que sua obra estabelece com os conceitos colocados em pauta pela nova ciência da psicologia (como os do subconsciente, da atenção, da imaginação e da memória), principalmente, no estabelecimento das bases de um método (científico) de criação cênica. Do legado escrito deixado pelo encenador russo, este trabalho concentra-se sobre seus apontamentos acerca da preparação do ator (Stanislávski, 2010).

Ao analisar o livro de Stanislávski e os treinamentos que temos em escolas e universidades de teatro no Brasil, constata-se o quanto seus escritos foram fundamentais para o desenvolvimento de um modelo para a preparação do ator, que hoje é predominante, tanto no ensino técnico quanto no ensino universitário. Tendo esse fato em vista é necessário levantar uma questão: qual versão de Stanislávski é ensinada aos alunos brasileiros? Quando se faz uma leitura atenta da obra em suas versões traduzidas diretamente do russo (neste caso as edições espanhola e italiana) em comparação com a versão traduzida da obra americana, percebe-se que a versão americana impera no Brasil, uma vez que a tradução de Pontes de Paula Lima, feita a partir da tradução americana, é a única disponível no Brasil, em língua portuguesa.

Deseja-se não meramente supor que há uma leitura correta do “método”, mas relativizar a visão que se tem do livro como uma obra fechada e sagrada. Há na obra estudada uma série de aberturas, decorrentes em especial da tendenciosa tradução americana, que permitem, ainda hoje, que diversas leituras sejam feitas, atualizando o pensamento do autor diante do mundo contemporâneo. Seria impossível, em um artigo, destrinchar a obra ponto a ponto, comparando as versões russa e americana e este é um dos motivos (dentre os muitos) que faz com que este estudo se concentre na questão da atenção.

Mas por que a atenção? Pode haver diversas respostas a esta pergunta. Pode-se dizer que dentre os fundamentos principais do treinamento, como nos aponta Farber (2008), a atenção é, nos dias de hoje, o primeiro tópico do ensino de teatro nas principais escolas Russas, como a SPAGATI (Academia Estadual de Teatro de São Petersburgo) e a RATI-GITIS (Academia Russa de Teatro). Estas escolas abordam a atenção no sentido de desenvolvê-la, para que no palco e na vida o ator possua uma maior capacidade de concentração, criação e ação. Ainda pode-se dizer, tal como um dos principais psicólogos do início do século XX, Hugo Munsterberg, que a atenção é a primeira e a principal função interna que cria o significado do mundo externo para nós. Tudo que percebemos é controlado pela relação entre a atenção e a desatenção. (MUNSTERBERG, 2004, p.31)

O livro El trabajo del actor sobre si mismo (2010), que contém a base do método de preparação do ator para Stanislávski, é organizado em forma de um suposto diário de trabalho do aluno Kóstia, um iniciante no estudo da arte teatral que está sob a tutela do diretor Tórtsov. Por ser escrito na forma de um diário, é possível dizer que a obra em questão apresenta uma relação direta entre o treinamento e o tempo, ou seja, a proposta de Tortsóv (personagem da obra que representa a voz do autor) desenvolve um conteúdo ordenado dos conhecimentos mais básicos para os mais avançados, em uma linha temporal contínua.

Para analisar o treinamento proposto por Stanislávski, no aspecto relativo à ordenação de seus conteúdos, temos duas possibilidades: ao seguir a ordem aparente de seu livro pode-se dizer que a preparação técnica do ator, para possibilitar que sejam feitas as primeiras cenas, passa sequencialmente por exercícios de 1.ação, 2.imaginação, 3.atenção e 4.relaxamento; Mas ao olhar, num segundo momento, parece que esta ordem deriva de um “erro” do diretor Tórtsov na condução do treinamento — deve-se levar em consideração que o livro está escrito na forma de um romance e não de um manual— ou seja, a ordem efetivamente proposta pelo “método” é diferente da ordem aparente e seria composta por um treinamento que possui a seguinte ordem cronológica 1.atenção, 2.imaginação, 3.ação e 4.relaxamento.

Portanto, quando depois de passar por exercícios de imaginação (no capítulo 5), Tórtsov percebe que sem a atenção não é possível nem à ação, nem à imaginação desenvolverem-se plenamente, ele demonstra que a atenção seria verdadeiramente o primeiro passo para o treinamento técnico do ator que estivesse disposto a seguir seu método.

Ao reconhecer a atenção como elemento primordial do treinamento do ator, Stanislávski introduz no teatro uma descoberta que havia sido feita por psicólogos como Helmoltz e Munsterberg no início do século XX: que todo o mundo cognitivo deve passar pela atenção para poder ganhar o nível do consciente. Diante disso, torna-se necessário ao ator uma atenção diferenciada do não-ator. Para explicitar melhor o que seria a atenção no teatro, o diretor Tórtsov formula uma explicação que parece copiada de um livro de Hugo Munsterberg, ou de algum outro psicólogo de seu tempo:

Quanto mais chamativo for o objeto, mais atrairá a atenção. Não há um só momento na vida de um homem em que sua atenção não se sinta atraída por algum objeto. E quanto mais interessante for o objeto, maior será seu poder sobre a atenção do artista. Para distraí-lo da plateia, deve-se introduzir habilmente um objeto interessante aqui, no palco, como a mãe distrai a criança com um brinquedo. (STANISLÁVSKI, 2010, p.104)

Neste trecho demarca-se ao mesmo tempo sua visão de como a atenção do ator age, bem como a postura que o diretor deve ter diante disto. Para Stanislávski o principal problema que seu sistema busca abordar, no que se refere a atenção, é relativo ao ator que deixa de se concentrar em sua personagem e no palco para concentrar-se na plateia, no crítico, no diretor etc. Para reforçar a suposta ligação entre o método de trabalho de Stanislávski e a pesquisa da psicologia do início do século XX, transcreve-se abaixo um trecho do livro no qual Hugo Munsterberg analisa a atenção no evento teatral:

O foco da atenção é dado pelas coisas que percebemos. Tudo o que é barulhento, brilhante e incomum atrai a atenção involuntária. Devemos voltar nossa mente (atenção) para o lugar onde ocorre uma explosão, temos que ler o anúncio luminoso que pisca. Certamente, o poder de motivação das percepções impostas à atenção involuntária pode ter origem em nossas reações. Tudo o que mexe com nossos instintos naturais, tudo o que provoca esperança, medo, entusiasmo, indignação, ou qualquer outra emoção forte assume o controle da atenção. [...] Seguramente, não faltam meios de canalizar a atenção involuntária para pontos importantes no teatro. Para começar, o ator que fala prende nossa atenção com mais força do que os que estão calados naquele momento. [...] O ator que vai até o proscênio está imediatamente no primeiro plano de nossa consciência. Aquele que levanta o braço enquanto os outros estão parados ganha a atenção para si. Sobretudo, cada gesto, cada personagem organiza e ritma à multiplicidade de impressões organizando-as em benefício da mente. A ação rápida, a ação incomum, a ação repetida, a ação inesperada, a ação de forte impacto exterior vai forçar nossa mente perturbando o equilíbrio mental. (MUNSTERBERG, 2004, P. 32- 33)
Diante do discurso de Munsterberg que expressava, de certa forma, uma continuidade do discurso de William James, Théodule Ribot, Wilhelm Wundt e outros psicólogos do início do século XX, percebem-se diversas aproximações ao vocabulário utilizado por Stanislávski. Evidencia-se o conhecimento do encenador russo da pauta de discussão da psicologia. Não se pode deixar de reparar na carga teórica e conceitual que recai sobre termos que ele utiliza, tais como: subconsciente e atenção dirigida. Ainda que num processo de treinamento pudesse haver uma referência à atenção enquanto uma metáfora de trabalho, a ideia de uma atenção dirigida ou focalizada está diretamente ligada aos conceitos desenvolvidos pela psicologia de seu tempo.

É um vestígio dessa influência a afirmação de Stanislávski de que a atenção dirigida a um objeto desperta ainda mais a observação do ator. Deste modo a ação entrelaçada com a atenção cria um forte vínculo com o objeto. (STANISLÁVSKI, 2010, p.105). A partir desta afirmativa pode-se concluir que a atenção e a ação estão entrelaçadas de modo definitivo no momento da apresentação tal como iria figurar na prática de Stanislávski, anos mais tarde.

Deduz-se de seus escritos, que a atenção do ator durante o treinamento é diferente da utilizada ao longo da apresentação. No momento do treinamento é necessário que a atenção voluntária do ator seja treinada separadamente da ação e da imaginação conforme acompanha-se pela própria organização de seu livro. Já no momento da apresentação, durante a qual a atenção do ator está em sua maior parte dominada pela força do hábito, ela deve integrar-se de forma definitiva à ação e à imaginação. Como aponta Jorge Saura em suas notas sobre o livro El trabajo del actor sobre si mismo.

Com esta intervenção de Tórtsov [sobre a condução da atenção do ator], Stanislávski salienta a natureza ativa da atenção cênica, ideia que ganhou força na prática pedagógica de seus últimos anos e que foi desenvolvida por seus discípulos. Se no princípio os exercícios sobre esta área tendiam a fixar a atenção sobre um objeto durante um tempo mais ou menos prolongado ou a ampliar e reduzir os círculos de atenção, com o passar do tempo a atenção se converteu em parte integrante da ação, ao emanar da ação. (SAURA Apud STANISLÁVSKI 2010, p.105)

A afirmativa de Saura reforça nossa proposição de uma leitura da atenção e da ação como elementos indissociáveis no processo de criação e de atuação para o encenador russo. Sem dúvida, a principal estrutura para entender a atenção no treinamento proposto pelo “sistema” de Stanislávski é a dos círculos de atenção.

Para compreender a proposta dos círculos de atenção nos voltamos por um instante para a teoria do holofote descrita por Cristian Wolf em 1740, segundo a qual a atenção visual se comporta tal como um foco de luz de um holofote: quanto mais área ela abrange, mais rarefeita é sua luz e mais geral; por outro lado, quanto menor o foco, mais concentrada será sua luz, permitindo o detalhamento. A teoria de Wolf parece conter a explicação básica do modo como Stanislávski utiliza a palavra atenção em seu trabalho, a partir da relação espaço/detalhamento da percepção.

Para Stanislávski (2010, p. 111) o círculo de atenção já não se trata de um só ponto [de atenção], mas de todo um setor de pequena extensão que compreende muitos objetos independentes. Ele propõe que o círculo de atenção pode ser subdividido em três partes, segundo sua área de abrangência.

O pequeno círculo consiste em uma focalização (que pode ser feita através de uma luz ou do olhar focalizado) de um pequeno espaço fora de seu corpo, do qual seu corpo é geralmente o centro. Este é o circulo da solidão, pois quando não se vê o espectador, tem-se a sensação de que se está só em seu próprio quarto. O círculo médio é uma focalização em uma área bem ampla, onde não se pode atentar para todas as coisas ao mesmo tempo. O olhar tem que percorrer o espaço em busca de identificar sua delimitação. A grande área iluminada pelo foco de luz (no caso do exercício que utilizava focos de luz) já traz a impressão de que não se está só. O círculo grande é o maior de todos. As suas dimensões dependem do alcance da vista. Portanto num local aberto como uma praia, esse círculo só teria como delimitação física o horizonte.

De que serve a repetição de exercícios para a atenção durante o treinamento do ator? Segundo Stanislávski (2010, pp.116-117) para que o ator possa ter um treinamento que aumente a eficácia de sua atenção durante a cena, não deixando que ele se distraia de seu objetivo. A proposição pode ser entendida mais claramente a partir da fábula hindu contada por Tórtsov sobre o marajá que escolhe para seu ministro aquele que não sendo distraído por nenhum estímulo externo seja capaz de dar a volta caminhando sobre a muralha da cidade com um copo de leite cheio até as bordas sem derrubar uma gota sequer. Para Stanislávski o bom ator é esse, capaz de concentrar-se em seus objetivos.

Convém ressaltar que esta conceituação de atenção utilizada por Stanislávski tem como referência a atenção visual, está em acordo com as pesquisas dos psicólogos do início do século XX. No entanto, a sua teoria se afasta da psicologia quando se refere ao objeto da atenção. Neste ponto Stanislávski deixa o rigor científico para abordar o tema de um modo prático e mais metafórico.

Quando ele propõe uma distinção dos objetos internos e externos, ao que parece, está se referindo ao efeito que a lembrança de uma experiência causa no ator e não diretamente a atenção sensorial. Diz que o objeto “externo” faz referência a uma lembrança, em geral associada à visão. Por outro lado ele considera que “objeto interno” é aquele relacionado a uma reação corporal efetiva, como salivar, que está mais ligada ao paladar, ao tato, ao olfato e à audição. Transcreve-se abaixo um trecho no qual o assunto é abordado de forma mais clara.

(Tórtsov diz) – Paulo, recorde o sabor do caviar.
- Já recordei – respondeu.
- Onde se encontra o objeto de sua atenção?
- Em princípio tive a imagem de um grande prato de caviar colocado sobre a mesa.
- Ou seja, que o objeto estava fora de você.
- Mas em seguida a visão me provocou sensações gustativas na boca e na língua – lembrou.
- Ou seja, dentro de você – observou Tórtsov-. Para aí também se dirigiu a sua atenção. Paulo, recorde agora da marcha fúnebre de Chopin. Onde está o objeto?
- Em princípio fora de mim, no cortejo fúnebre. Mas os sons da orquestra soam em meus ouvidos, ou seja, dentro de mim mesmo – disse Paulo.
- Para onde se dirige a sua atenção, certo?
- Sim.
-Por consequência, na vida interna nós criamos no início representações visuais sobre a mesa do caviar ou sobre o cortejo fúnebre, mas depois através dessas representações despertamos as sensações interiores de algum dos cinco sentidos e fixamos definitivamente nesse lugar nossa atenção, que, portanto, converge em objeto de nossa vida imaginária, não por uma via direta, mas por via indireta, através do que podemos chamar de um objeto auxiliar. Isso é o que ocorre com nossos cinco sentidos. (STANISLÁVSKI, 2010, pp. 119-120)


Neste pequeno diálogo Tórtsov induz Paulo, com sua atenção voluntária, a pensar em objetos fora e dentro de seu corpo. A partir disso percebemos que, ao menos nessa obra, o autor está nos propondo exercícios justamente para fortalecer a atenção voluntária e impedir que a atenção involuntária desvie o ator de seu papel. Portanto a atenção do ator é, neste caso, sempre voluntária visando ao hábito através do treinamento.

Outra pista sobre a concepção de atenção para Stanislávski está em sua explicação de porque é possível para um equilibrista de circo fazer diversas coisas ao mesmo tempo: “A razão de ele poder realizar tudo isso ao mesmo tempo é que no homem a atenção tem múltiplos planos que não interferem um no outro.[...] Por sorte muito do habitual se torna automático. Com a atenção pode ocorrer o mesmo.” (STANISLÁVSKI, 2010, p.125)

Pode-se dizer, a partir da análise dos escritos do autor, que numa situação teatral ideal, o ator deve agir prioritariamente a partir de sua atenção voluntária e do hábito por ela gerado, enquanto o espectador deve se utilizar principalmente de sua atenção involuntária para fruir o espetáculo.

Antes do início do treinamento técnico do ator, Stanislávski propõe que seja feito um diagnóstico da capacidade atentiva do ator e de seus hábitos através de uma prova de palco. Já no primeiro ensaio para esta prova de aptidão (como chamamos nos dias de hoje o teste para ingressar no curso de teatro) Stanislávski demonstra-nos a fragilidade da atenção pouco treinada nas palavras de Kóstia:

Assim que pisei no tablado, apareceu em minha frente a imensa boca de cena e por trás dela uma interminável penumbra. Pela primeira vez vi a partir do palco a plateia, agora vazia e deserta. Sentia-me totalmente desorientado. [...] Durante um longo tempo não pude me orientar no amplo espaço rodeado por cadeiras, nem concentrar minha atenção no que sucedia ao meu redor. (STANISLÁVSKI, 2010, p.21)

A experiência na prova de palco serve de início para o treinamento prático, fornecendo ao diretor um diagnóstico da capacidade de concentração de cada aluno. Em seguida a esta prova ele demonstra, em vários trechos, a importância da atenção no treinamento do ator e como esta deve ser conduzida.

No início do capítulo 3, no qual se introduzem exercícios técnicos para o ator, ele desenvolve uma cena exemplar, na qual o personagem de Tórtsov fica sentado, imóvel, em uma cadeira. A ação de Tórtsov sentado na cadeira (STANISLÁVSKI, 2010, p.53) atrai de forma definitiva a atenção do aluno-espectador. Utilizando a focalização de sua atenção em cena, Tórtsov provocava reações, sensações e pensamentos em seu público, de acordo com seus objetivos.

A importância de um treinamento da atenção voluntária do ator para a realização de seus objetivos fica explícita também no exercício que Tórtsov propõe a Maria (STANISLÁVSKI, 2010, p.56-57). Ele pede que ela procure um broche no palco e sugere uma história (fictícia) como pano de fundo. No entanto, Maria se esquece do broche e fica “representando sentimentos”, com a atenção voltada para os espectadores que a observam.

Neste ato narcisístico a atriz esquece o seu real objetivo em cena e, com isto, faz com que a cena perca sua eficácia no que diz respeito à comunicação com o espectador. Isto está ligado à concepção de Stanislávski sobre a qualidade da ação do ator. Para Tórtsov (e consequentemente para Stanislávski) a “boa ação” está ligada à eficácia do estímulo sobre a atenção do espectador, e por consequência ao afeto de sua memória, sua imaginação e sua emoção.

Sobre a importância da ligação entre atenção, ação, memória e imaginação para a geração de uma cena de qualidade, no capítulo 3 ele diz:

[em cena, Kóstia está fingindo que seus fósforos imaginários se apagam diversas vezes enquanto ele tenta acender a lareira. Tórtsov diz-lhe que este tipo de ação mecânica e sem fundamento acontecem, em cena, numa velocidade muito maior do que os atos conscientes e fundamentados e explica o porquê]

- Isso não é estranho – explicou -. Quando você atua mecanicamente, sem um fim determinado, não há nada que retenha sua atenção. Não leva muito tempo para mudar de lugar algumas cadeiras; mas se você quer organizá-las de um modo diferente, com um fim determinado, mesmo que apenas porque tem convidados e quer lhes oferecer o assento segundo sua categoria, demorará um longo tempo para mudar de lugar essas mesmas cadeiras. (STANISLÁVSKI 2010, p.60- 61)


Percebemos ao longo de sua obra, em especial no capítulo 10, no qual é tratado o tema da comunicação, que a finalidade do trabalho com a atenção do ator é maximizar a efetividade da relação que este estabelece com o espectador durante a apresentação, criando assim a possibilidade de se estabelecer uma comunicação efetiva entre o palco e a plateia. Como nos mostra Guerrieri, em sua introdução à edição italiana da obra, Stanislávski deixou apenas fragmentos de seus escritos sobre o espectador, mas não é por isso que ele é desconsiderado pelo seu método.

A presença do público (o seu campo magnético como dizia Jouvet) produz, em um primeiro sentido, efeitos negativos sobre o ator: o hipnotiza, inibe sua fantasia, ou, ao contrário, faz com que ele se exiba, narcisismo este que interfere em sua atividade de intérprete e a desvia. Com uma série de exercícios que trabalham a presença e que reforçam a capacidade de concentração, de atenção, de ‘solidão em público’, combatendo a presença do público e reforçando a sua presença de ator, Stanislávski ensina, em primeiro lugar, a não se estar sob o domínio do público. [...] Faz parte desta concepção a estratégia de abordagem indireta no confronto com o espectador: o dever do ator é chegar ao público não por via direta, mas mediado pela personagem. Assim a comunicação se dá em níveis diversos como o visual, o sonoro, e também de subconsciente para subconsciente.
E aí chegamos ao segundo ponto. O público é o pólo receptor da comunicação teatral, o cátodo do fluído da corrente cênica, e neste sentido integra e interpreta o evento cênico segundo certos processos mentais e estruturas fantásticas, que o ator deve conhecer e deve levar em conta. (GUERRIERI APUD STANISLÁVSKI, 2008, p.XXVII)


Diante desta afirmação de Guerrieri, propõe-se que enquanto os capítulos 3, 4, 5 e 6 (que falam sucessivamente sobre a ação, a imaginação, a atenção e o relaxamento muscular) estão preparando o ator para o encontro com o espectador, no sentido de torná-lo capaz de manter a sua própria atenção em seu objetivo, em sua ação, em sua imaginação e em seu corpo, os capítulos 10 e 11 (que versam, respectivamente, sobre a comunicação e a adaptação) abordam do ponto de vista do intérprete o momento da apresentação. Nestes capítulos mostra-se a importância do conhecimento do ator acerca dos mecanismos de recepção do espectador. Explicita-se como a atenção do ator deve agir neste momento para capturar e conduzir o espectador pela trama do espetáculo.

Esta ação de comunicação do ator, consigo mesmo e com seu companheiro, gera uma abertura sensorial e racional do espectador que vai captando involuntariamente as palavras e ações dos interpretes (STANISLÁVSKI, 2010, p. 252). Esta “captação involuntária” da qual Stanislávski fala pode ser compreendida como a ação da atenção involuntária do espectador agindo sobre a peça.

Portanto, o capítulo 10 trata, em resumo, de como o ator deve conhecer e estar sensibilizado à atenção do espectador. Postula que ao manter a atenção voltada para seu objetivo e, ao mesmo tempo, manter-se aberto para comunicar-se com as coisas e pessoas ao seu redor, durante a apresentação do espetáculo, o ator permite ao público um estado de prontidão e porosidade que libera sua atenção involuntária para agir sobre a peça.

Uma particularidade do capítulo 10 que fala sobre a comunicação do ator é o emprego da palavra irradiação. Esta palavra é utilizada de forma provisória por Stanislávski para designar a comunicação sem palavras, por um caminho invisível, como uma transmissão de raios.

Neste ponto pode-se inferir novamente que ele conhecia e utilizava toda a discussão instaurada pela psicologia, pois como aponta Saura o termo “irradiação” foi tomado por Stanislávski do livro Psicologia da atenção de Ribot. (SAURA Apud STANISLÁVSKI, 2010, p.268) A irradiação seria utilizada no sentido de afinar a atenção e a sensibilidade do intérprete para melhorar seu desempenho espetacular.

A questão da irradiação está diretamente ligada à questão da atenção, figura-se como mais uma das omissões/distorções de aspectos fundamentais da obra de Stanislávski feitas pela tradução de Elizabeth Hapgood. Por não parecer um elemento importante da obra de Stanislávski na tradução americana, os treinamentos de irradiação foram deixados de lado pela maioria de seus discípulos da escola americana e das por ela influenciadas.

O capítulo 11 fala mais especificamente sobre a adaptação que, nas palavras de Stanislávski (2010, p. 280), pode ser descrita como os meios internos e externos com os quais as pessoas se adaptam umas as outras para se comunicar e ajudam-se, mutuamente, a alcançaro objeto. A adaptação em cena é um recurso, uma estratégia que ajuda a atrair a atenção da pessoa com quem se deseja estar em contato.

A partir de todas essas evidências é possível concluir que trabalhar a atenção do ator, segundo a perspectiva de Stanislávski, é buscar cercar o material insondável do inconsciente a partir de seus vestígios mais epidérmicos. É conhecer mais sobre a natureza humana para poder aumentar a eficácia da comunicação que deve existir no momento da cena.

Por isso, a obra de Stanislávski sobre a preparação do ator é um ponto fundamental da retomada da discussão da atenção do ator. A partir da revisão da obra de Stanislávski (2010) percebe-se a importância e a potência que ela tem, ainda hoje, para os estudantes de teatro, em especial para os atores. Mostram-se novos horizontes para o treinamento do ator, nos quais a atenção figura-se como um elemento fundamental, tal como já ocorre nas escolas russas de teatro.

Por: Leonel Martins Carneiro (ator, diretor, e doutorando em artes cênicas pelo PPGAC da USP sob a orientação da Profª Drª Sílvia Fernandes. É Graduado em Artes Cênicas pela UNICAMP e mestre em Artes Cênicas pela USP)

Teatro do Oprimido

Teatro do Oprimido (TO) é um método teatral que reúne exercícios, jogos e técnicas teatrais elaboradas pelo teatrólogo brasileiro Augusto Boal. Os seus principais objetivos são a democratização dos meios de produção teatral, o acesso das camadas sociais menos favorecidas e a transformação da realidade através do diálogo (tal como Paulo Freire pensou a educação) e do teatro. Ao mesmo tempo, traz toda uma nova técnica para a preparação do ator que tem grande repercussão mundial.

A sua origem remete ao Brasil das décadas de 60 e 70, mas o termo é citado textualmente pela primeira vez na obra Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Este livro reúne uma série de artigos publicados por Boal entre 1962 e 1973, e pela primeira vez sistematiza o corpo de idéias desse teatrólogo.

Para iniciar uma abordagem sobre o “Teatro do Oprimido”, torna-se necessário uma apresentação de seu criador, o dramaturgo, diretor e teórico de teatro Augusto Boal, nascido no Rio de Janeiro em 1931, cujo nome completo é Augusto Pinto Boal. Este carioca que atualmente dirige centros de teatro na França e no Rio de Janeiro busca sempre lutar contra todas as formas de opressão, desenvolvendo na sua luta a favor dos explorados e oprimidos, um teatro de cunho político, libertário e transformador. No período em que a ditadura militar reprimiu com maior força a voz do povo e de seus representantes, nos diferentes âmbitos sociais, Boal aliou-se a educadores e intelectuais da América Latina, dispostos a desenvolverem uma tomada de consciência dos oprimidos, a começar pelo projeto de alfabetização, ALFIN – Programa de Alfabetização Integral, no Peru, na década de setenta, cuja concepção metodológica do projeto era inspirada na pedagogia do oprimido de Paulo Freire.

O “Teatro do Oprimido”, de acordo com o próprio Boal, pretende transformar o espectador, que assume uma forma passiva diante do teatro aristotélico, com o recurso da quarta parede, em sujeito atuante, transformador da ação dramática que lhe é apresentada, de forma que ele mesmo, espectador, passe a protagonista e transformador da ação dramática. A idéia central é que o espectador ensaie a sua própria revolução sem delegar papéis aos personagens, desta forma conscientizando-se da sua autonomia diante dos fatos cotidianos, indo em direção a sua real liberdade de ação, sendo todos “espect-atores”.

A poética do Teatro do Oprimido está organizada em diferentes formas/técnicas de ações dramáticas, acrescentando que para Boal o teatro é ação.

O “Teatro-Jornal” foi uma forma de ação teatral desenvolvida por Boal no Teatro de Arena, em São Paulo, no período anterior a sua saída do Brasil por força da ditadura daquele momento. Desde 1956 ele dirigia o teatro de Arena, onde permaneceu por quinze anos consecutivos. Esta técnica pretende que se transforme quaisquer notícias de jornal, ou qualquer outro material sem propósito dramático, em cenas ou ações teatrais. Segue as possibilidades de trabalho com o Teatro-jornal:

“Leitura simples” – destaca-se a notícia que se pretende trabalhar, e faz uma leitura da mesma, de forma objetiva desvinculando-a da ideologia do jornal em que ela se encontra.

“Leitura cruzada” – Busca-se duas fontes da mesma notícia e faz-se a leitura de ambas ao mesmo tempo, de forma que surjam novos olhares.

“Leitura complementar” – Acrescenta-se dados/fatos que foram omitidos na notícia, para direcionar o pensamento do leitor.

“Leitura com ritmo” – A notícia é anunciada pelo canto, escolhendo-se um ritmo musical que funcione como “filtro” crítico do que se está falando.

“Ação paralela” – Cria-se cenas de mímica ou de “fisicalização” paralelamente a leitura da notícia.

“Improvisação” – explorar a maior possibilidade de improvisação de cenas sobre a notícia.

“Histórico” – Apresentar a notícia e encenar, paralelamente, cenas de fatos históricos idênticos a ela, já acontecidos em outros tempos e espaços.

“Reforço” – utilização de canto, dança, retro-projetor, jingles de publicidades e outros artifícios que reforce o que está sendo lido.

“Concreção da abstração” – Busca-se o que está implícito na notícia (normalmente fatos que oprimem) e revela na forma concreta da imagem, através de grafismos ou cenas dramáticas.

“Texto fora do contexto” – Encenar a notícia num contexto ao qual ela não caberia, como por exemplo, um pastor coberto de ouro e com vários seguranças, pregando aos seus fiéis o desapego material.

O “Teatro-Imagem”, que integra a estética do Teatro do Oprimido, tem a intenção de ensaiar uma transformação da realidade, através do uso da imagem corporal. Primeiramente, um ator decide um tema problema a ser tratado, que pode ser local ou global, mas que de certa forma tenha um significado para a maioria do grupo. Em seguida alguns atores se disponibilizam no espaço cênico como massas moldáveis, ou melhor, futuras estátuas, o ator protagonista vai esculpindo essas estátuas buscando representar imageticamente a situação em questão. É fundamental que haja silêncio total. Ao montar o quadro vivo os espect-atores são convidados a modificarem as imagens problema para uma situação ideal. Por fim, cria-se a imagem de transição entre o problema e a solução.

O “Teatro-Fórum” é uma técnica em que os atores representam uma cena até a apresentação do problema, e em seguida propõem aos espectadores que mostrem, por meio da ação cênica, soluções para o então problema apresentado.

Outra possibilidade de ação dramática dentro do arsenal do Teatro do Oprimido é o “Teatro Invisível”, cuja proposta é a representação de uma cena diante de pessoas que não sabem que estão sendo espectadoras da ação dramática, e precisa acontecer num ambiente diferente do teatral, o mais dentro do cotidiano das pessoas. Para esta forma de apresentação é preciso a preparação de um roteiro de improvisação, onde já se ensaie a possível interferência do espectador no ato estético coletivo. Cabe aos atores prolongarem a discussão dos espectadores a respeito do tema abordado na cena, de forma que outros “atores anônimos” se insiram no contexto e reafirme a veracidade da ação para o espectador, que neste momento já passa a ser protagonista da ação teatral proposta. É imprescindível o caráter invisível dos atores para que os espec-atores atuem com liberdade.

O “Teatro-fotonovela” apresenta uma forma de desmistificação da Fotonovela, por ser uma literatura direcionada as classes mais baixas da população, isto antes da popularização da TV, e por veicular uma ideologia própria das classes dominantes. Na prática é fazer a leitura de uma fotonovela, sem que os atores saibam que se trata de um folhetim fotografado, enquanto esses atores vão interpretando a história que está sendo lida. Em seguida partem para refletir sobre as ações que foram produzidas pelos atores e as que estão publicadas paralelamente as falas, com isto, é comum perceber distorções, pela minoria que produz essas fotonovelas, em relação a real situação dos sujeitos mencionados pela história.

A “Quebra de Repressão” é uma técnica de ensaio para resistência a uma repressão futura. Consiste em solicitar a um participante que relembre um momento ao qual tenha sido vítima de uma repressão. Então esta pessoa escolhe outras presentes para lhe auxiliar na reconstrução da cena já vivenciada. Após a dramatização da vivência, pede-se que o protagonista resista a tal opressão e que os outros espect-atores mantenham as ações repressivas.

Há ainda outras técnicas desenvolvidas por Boal, como o “Teatro Mito”, que propõe evidenciar as verdadeiras características dos mitos, o “Teatro-Julgamento”, onde há uma improvisação cênica e posteriormente, busca-se retirar as máscaras sociais de cada personagem, e ainda, uma técnica do teatro popular, denominada “Rituais e Máscaras”, que consiste em descaracterizar as convenções, ou posturas, impostas nas relações sociais principalmente em níveis diferentes, coisificando um ser humano diante do outro.

Dentro do “Teatro do Oprimido” existe uma figura muito importante para o desenvolvimento da cena junto aos espectadores, esta peça é o “Curinga”. O Curinga é um técnico artístico-pedagógico que tem a função de formar grupos, ministrar oficinas e realizar atividades pertinentes à produção cultural de um trabalho artístico.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Espetáculo de Humor - Rir é o Melhor Remédio (O Inconveniente do Pânico na TV)

Dia 01 de set. 
Teatro Glauce Rocha - 19h 
Eros Prado - O Inconveniente do Pânico  na TV da Bandeirantes
Com a comédia: "Rir é o melhor remédio!" 
Garanta já seu ingresso nos postos de venda:
Adji - Shopping Campo Grande segundo piso
Fonecel - Revendedor VIVO Shopping Norte Sul

Festival de Teatro Amador - Três Lagoas (MS)


TRÊS LAGOAS IDEALIZA A 1.ª EDIÇÃO DO FESTIVAL DE TEATRO AMADOR COM PROGRAMAÇÃO PARA TODAS AS IDADES
O evento será realizado de 19 a 24 de agosto com programação diária no Anfiteatro da UFMS – Unidade I
O município de Três Lagoas idealiza o “FESTIVAL DE TEATRO AMADOR 1.ª EDIÇÃO – 2013”, que será realizado entre os dias 19 a 24 de Agosto, de segunda-feira a sábado, no Anfiteatro da UFMS – Unidade I, com apresentações diárias nos períodos noturnos, mais uma no vespertino no dia 22, além de um workshop sobre teatro-dança no dia 24 de manhã. O evento é uma produção da Prefeitura de Três Lagoas - Departamento de Cultura, Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS – Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis, através do Grupo de Teatro Identidade.
O “Festival de Teatro Amador de Três Lagoas/MS” tem como objetivo divulgar a produção cultural de Três Lagoas para oferecer à população opções de entretenimento e formação cultural. Além disso, anseia promover um intercâmbio entre grupos de teatro participantes e estimular o interesse e o entusiasmo pelas artes cênicas entre os estudantes e comunidade em geral da cidade de Três Lagoas.
Teremos na programação do evento 7 ESPETÁCULOS TEATRAIS. Destes, foram selecionados 5 espetáculos, via Edital, que contemplaram diferentes grupos de Três Lagoas/MS. Dois espetáculos foram convidados pela organização do evento, sendo um Espetáculo do Grupo de Teatro Identidade, que organiza o evento, que abrirá a programação e outro da cidade de Pindamonhangaba/SP, que encerrará o evento.
Cada grupo participante receberá 1 (um) TROFÉU como menção honrosa por apresentarem o respectivo Espetáculo durante o Evento. Todos os participantes, receberão CERTIFICADOS de participação no Evento referente a apresentação teatral. A entrega de Troféu e Certificados será realizada após a concretização da respectiva apresentação do Grupo no Evento.
O último dia da realização do “Festival de Teatro Amador de Três Lagoas/MS – 1.ª Edição” – 24 de Agosto, será destinado para a Cerimônia de Encerramento e Premiação do referido Evento, tendo como local sede o Anfiteatro da UFMS – Unidade I, e horário previsto a partir das 21h, sendo que dos grupos participantes, serão Selecionados/Premiados até 3 (três) apresentações dos Grupos com MELHOR NÍVEL-ÍNDICE TÉCNICO, avaliados por uma COMISSÃO JULGADORA, nomeados pela Organização do Evento, que acompanhará toda a programação do Festival. Os Grupos Selecionados/Premiados serão convidados para compor a PROGRAMAÇÃO COMPLEMENTAR – MÓDULO FOMENTO da Semana Cultural – MS EM CENA – 7.ª Representação a ser realizada no período de 14 a 24 de Novembro de 2013 em Três Lagoas/MS. Cada um dos Grupos Selecionados/Premiados, se realizarem a respectiva Apresentação na Semana Cultural – MS EM CENA – 7.ª Representação, receberão um cachê financeiro, estipulado em R$ 1.000,00, (um mil reais).
Abaixo apresentamos a programação do evento, com os respectivos horários e grupos participantes, além das apresentações convidadas e as cerimônias de abertura e encerramento.
PROGRAMAÇÃO
9h (Sábado - 17/08) - ARRASTÃO DE SOMBRAS    Local: Área Central de Três Lagoas

  • SEGUNDA-FEIRA – 19/08
19h30min - “ABERTURA DO EVENTO”                    Local: Anfiteatro da UFMS – Unidade I

20h
“ESPETÁCULO DE VOCÊ” (Apresentação Convidada)
Grupo de Teatro Identidade – Três Lagoas/MS
Local: Anfiteatro da UFMS – Unidade I                        Gênero: Pós-Dramático
Direção: Leandro Cazula                                                Classificação: 12 Anos

  • TERÇA-FEIRA – 20/08
20h
“VENCENDO AS TENTAÇÕES”
Grupo Pregando Peça (Instituto Sulmatogrossense de Ação Cristã) – Três Lagoas/MS
Local: Anfiteatro da UFMS – Unidade I                        Gênero: Comédia Gospel
Direção: Franciele Moura                                                Classificação: Livre

  • QUARTA-FEIRA – 21/08
19h
“SE ESTA RUA FOSSE MINHA...”
Grupo Nem nome tem – Três Lagoas/MS
Local: Anfiteatro da UFMS – Unidade I                        Gênero: Infantil
Direção: O Grupo                                                              Classificação: Livre

  • QUINTA-FEIRA – 22/08
15h
“PASTORAL DA JUVENTUDE – UM JEITO DE SER”
JUOSC (Juventude Unida Operária Seguindo a Cristo) – PJ (Pastoral da Juventude) – Três Lagoas/MS
Local: Anfiteatro da UFMS – Unidade I                        Gênero: Drama
Direção: Gleicielle Pereira                                              Classificação: Livre

20h
“DEU A LOUCA...”
1.º Grupo Teatral de Arapuá – Três Lagoas/MS
Local: Anfiteatro da UFMS – Unidade I                        Gênero: Comédia Adulta
Direção: Fábio Jorge                                                        Classificação: 14 Anos

  • SEXTA-FEIRA – 23/08
20h
“ZONA CONTAMINADA”
Grupo de Teatro Persona – Três Lagoas/MS
Local: Anfiteatro da UFMS – Unidade I                        Gênero: Comédia de Humor Negro
Direção: Guilherme Costa Garcia Tommaselli            Classificação: 16 Anos

  • SÁBADO – 24/08
9h
WORKSHOP: “CONEXÃO ENTRE DANÇA CONTEMPORÂNEA E DANÇAS BRASILEIRAS”
Facilitadora: Mônica Alvarenga (Pindamonhangaba/SP)
Local: Anfiteatro da UFMS – Unidade I                        Vagas: 30 Participantes

20h
“GISELLE” (Apresentação Convidada)
Cia Cênica de Dança-Teatro Mônica Alvarenga – Pindamonhangaba/SP
Local: Anfiteatro da UFMS – Unidade I                        Gênero: Teatro-Dança
Direção: Mônica Alvarenga                                            Classificação: Livre

21h
CERIMÔNIA DE ENCERRAMENTO – PREMIAÇÃO           
Local: Anfiteatro da UFMS – Unidade I

Três Lagoas/MS, 13 de agosto de 2013
Informações: 67-3929-1133 Ramal 223 / 9988-5148 / 9151-0008 - http://www.teatro.identidade.blogspot.com/